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Pregue o evangelho… e seja esquecido!

Muitos de nós recebemos de nossos pais nomes de personagens bíblicos que entraram no imaginário popular. São inúmeros Paulos, Andrés, Priscilas, Lídias, Marias, Pedros, Martas, Filipes, Anas… Eu mesmo carrego o nome daquele que é conhecido como o “apóstolo amado”. Isso para ficarmos somente no Novo Testamento. Mas você conhece alguém chamado Tíquico? Quem está familiarizado com a Bíblia já viu o nome dele. Mas as chances são grandes de não ter sido um personagem memorável, até mesmo para um número considerável de leitores da Bíblia.

Esse cristão de nome incomum para nossa cultura é mencionado cinco vezes nas Escrituras Sagradas (At 20.4; Ef 6.21; Cl 4.7; 2Tm 4.12; Tt 3.12). Tíquico surge no final da narrativa do trabalho missionário de Paulo em Éfeso e, possivelmente, experimentou sua conversão como fruto do ministério paulino naquela cidade. Talvez ele tenha testemunhado o motim que o ourives Demétrio iniciou, porque o evangelismo de Paulo estava afetando negativamente seu negócio de fabricação de imagens que serviam como ídolos (At 19).

Muitos especialistas em Novo Testamento afirmam que Tíquico entregou diversas epístolas do apóstolo Paulo aos seus destinatários, como a carta aos Efésios e a carta aos Colossenses. Ele acompanhou Onésimo, um ex-escravizado fugitivo que havia sido convertido, quando retornaram para Colossos e provavelmente levou a carta de Paulo a Filemom. Se for esse o caso, então Paulo delegou a Tíquico “seu filho”, Onésimo, quando o devolveu a Filemom. Paulo deve ter confiado muito neste homem para lidar com aquela situação delicada.

É provável que Tíquico tenha sido o escriba de Paulo nas cartas aos Efésios e Colossenses. Paulo teria ditado essas cartas para ele. Talvez eles tenham discutido partes dela, considerando a aplicação da doutrina trinitariana. Então Tíquico, por ter entregado a carta, foi provavelmente a primeira pessoa a pregar sobre o livro de Efésios.

Tíquico era claramente um cristão fiel que se encontrava no centro de grande parte da história do Novo Testamento. Porém, ele esteve em segundo plano em quase todos os eventos significativos da segunda metade do ministério de Paulo. Um personagem importante da história da instituição mais importante do mundo, a Igreja, mas quase completamente desconhecido.

O estudioso do Novo Testamento, E.K. Simpson, faz uma provocante dedução: “O fato de não sabermos muito sobre Tíquico demonstra seu desejo de tornar o Evangelho mais conhecido do que ele mesmo.”[1]

Mas, porque é importante pensarmos em Tíquico hoje? Um fenômeno dos nossos tempos é a cultura das celebridades (ou, na maioria das vezes, subcelebridades), que tende a valorizar mais aqueles que nos entretém e/ou que nos motivam do que aqueles que nos levam a pensar. Mesmo na igreja, procuramos mais celebridades do que servos fiéis. Alguns pastores acham que são grandes demais para cair. Eles são preservados ou recolocados no ministério mesmo quando foram flagrantemente desqualificados por sua conduta. Num cenário menos explícito, mas tão perigoso quanto, líderes comprometidos com um outro evangelho incitam multidões a conquistarem seu lugar de destaque, o que para muitos pode se notabilizar bastando ter um smartphone em mãos.

Tal status torna-se uma condição muito arriscada para nós. Blogs, canais de vídeo, redes sociais, podcasts, conferências e eventos dos mais variados têm a capacidade de ajudar a criar subcelebridades. A fama pode ser sedutora. Com muita sutileza podemos nos apaixonar pelas nossas próprias vozes e esquecer a voz daquele que fomos chamados a proclamar. Por isso, o cristianismo precisa de pessoas que sejam totalmente esquecíveis, que desejam tornar o evangelho mais conhecido do que elas mesmas. A igreja precisa de mais pessoas como Tíquico.

Algumas qualidades deste importante personagem são inspiradoras para aqueles que desejam servir, em especial de maneira servidora, exercendo influência não com a mera visibilidade que as inclinações do século presente orientam, mas por meio de:

  • Companheirismo: Tíquico foi um dos cristãos que acompanharam Paulo em sua viagem para entregar ofertas à Igreja de Jerusalém (At 20.4);
  • Confiabilidade: Foi responsabilizado pelo apóstolo dos gentios a transmitir mensagens importantes, como a carta aos Efésios (Ef 6.21);
  • Intencionalidade: Fortaleceu e encorajou a Igreja de Éfeso (2Tm 4.12);
  • Fidelidade: Paulo referia-se a Tíquico como um “irmão amado, servo fiel e colaborador no serviço do Senhor” (Cl 4.7).

Tais características observadas no Novo Testamento mostram que Tíquico teve um papel relevante, mesmo não sendo um protagonista. Porém, nas poucas vezes em que é mencionado, as marcas do compromisso com a proclamação do evangelho são  notórias neste servo de Deus do primeiro século.

Encerro nossa reflexão com uma frase atribuída a um cristão do passado profundamente comprometido com oração e missões (Nicolaus Zinzendorf), que certamente aprendeu alguma coisa com o testemunho de Tíquico: “Pregue o evangelho, morra e seja esquecido.”

[1] E. K. Simpson; F. F. Bruce, Commentary on the Epistles to the Ephesians and the Colossians. Grand Rapids: Eerdmans, 1957.

João Costa

João Costa

Juntamente com sua esposa Mariana, serve na Igreja Cristã Nova Vida da Tijuca (RJ). É Mestre em Estudos Teológicos pelo Reformed Theological Seminary e cursou História da Doutrina Cristã no Regent College. Atua como editor, tradutor literário e é embaixador do Gordon-Conwell Theological Seminary no Brasil, onde também é professor adjunto de Introdução aos Estudos Teológicos. Coopera com a equipe de coordenação acadêmica do Christian Halls e é diretor/tutor do Hall Nova Vida (RJ).